Memórias de Maués

Um juiz, uma bicicleta e uma cidade chamada Maués

Retratos de uma trajetória amazônica

Por:
Flávio Pascarelli
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Doutor em Direito Constitucional (UNIFOR), Mestre em Ciências Jurídicas (UFPE), Especialista em Direito do Estado (Cândido Mendes)Desembargador TJAM.
Há lugares que nos marcam para sempre. Para mim, Maués é um deles. Entre 1988 e 1990, na minha terceira comarca na magistratura, vivi naquela cidade do Amazonas uma das fases mais intensas e formadoras da minha vida. Sem carro, eu ia para o Fórum de bicicleta, dividindo responsabilidades com os colegas Rafael Romano e, depois, Celso Gioia. Presidi eleições, conheci a realidade amazônica de perto e, com imensa alegria, recebi o título de Cidadão de Maués pela Câmara Municipal.

Havia também os desafios materiais do interior. Lembro da chamada casa do juiz, já naquela época em péssimas condições, com infiltrações, instalações improvisadas e pouca manutenção. Aquela moradia precária dizia muito sobre as dificuldades logísticas de servir à Justiça na Amazônia e, ao mesmo tempo, reforçava em mim o sentido de missão pública.

Mas Maués não foi apenas trabalho. Foi afeto, amizade e descoberta. Carrego comigo lembranças de Assis Filho, Efrahim, o oficial de justiça sempre pronto a ajudar, Francisco Ianuzzi, o Chicão, Toninho do Banco do Brasil, Otavinho Magnani, Claudete, José Marinho, Seu Mixito, que zelava pela segurança no Fórum, e dos então promotores Himenes e Takeda, hoje juízes. Foi em Maués que conheci Naiara, mãe do meu filho Felipe, memória que conservo com gratidão e ternura.

A cidade me apresentou também à beleza das paisagens amazônicas. Passávamos tardes na Praia da Claudete e do Assis, ouvindo música naquele paraíso do outro lado do rio. Conheci a Ponta da Maresia, a Avenida Antártica, a Praia da Vera Cruz e me encantei com os pores do sol, talvez os mais lindos que já vi. Maués me ensinou a lenda e o cultivo do guaraná, me recebeu na tradicional Festa do Guaraná e me mostrou o espetáculo do encontro das águas, imagem que traduz a própria alma amazônica.

Essas lembranças ficam ainda mais vivas quando recordo das visitas dos meus filhos Thiago e Bruno, então com oito e quatro anos, respectivamente, do meu primeiro casamento. Eles passavam as férias comigo em Maués e curtiam intensamente a cidade, as praias, os passeios de barco e a vida simples e alegre daquele tempo. Essa convivência deixou marcas profundas, tornando Maués não apenas um cenário profissional, mas também um espaço de família e de amor paterno.

Era nos restaurantes do Tio Barbosa e do Helber que eu encontrava não só boa comida, mas a convivência com a cultura local, atendido com cortesia pelo Zé Henrique, Sirleia e Simone. Ali percebi que justiça não é apenas sentença, mas também diálogo, escuta, presença e pertencimento.

Anos mais tarde, voltei a Maués em novas funções. Primeiro como presidente do Tribunal Regional Eleitoral, para inaugurar o prédio da Justiça Eleitoral. Depois como presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, para reinaugurar o Fórum da Comarca, dois momentos que simbolizaram um reencontro institucional e afetivo com a cidade que marcou o início da minha carreira.

Hoje, ao recordar Maués, percebo que não se trata apenas de memórias pessoais. É uma celebração da Amazônia profunda, dos laços humanos que resistem ao tempo e da força transformadora de uma cidade que me acolheu como filho. Maués, com seu povo e suas paisagens, continua sendo para mim um horizonte de aprendizado e gratidão.

E quando fecho os olhos ainda consigo sentir o cheiro doce do guaraná recém colhido, ouvir as vozes amigas ecoando na beira do rio e ver o sol se pondo em tons impossíveis de descrever. Maués permanece em mim como um mapa afetivo, um ponto de partida e de retorno, lembrando que o tempo pode passar, mas certas paisagens, as da alma e as do coração, nunca se apagam.
Diretor da Escola da Magistratura do Amazonas – ESMAM; 
Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas;
Vice-Presidente e Corregedor do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas;
Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas;
Presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais do Brasil;
Corregedor-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Amazonas;
Presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas;
Vice-Presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça do Brasil (CTJ);
Diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Amazonas por outras duas vezes;
Diretor da Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas;
Presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas;
Diretor da Escola Superior da Magistratura do Amazonas;
Professor visitante da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, em Mestrado e Doutorado, Direito Ambiental;
Coordenador de Pós-Graduação em Direito da Faculdade Santa Teresa.

OUTRAS FUNÇÕES

Presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas – AMAZON;
Coordenador da Região Norte do Conselho de Representantes da AMB;
Vice-Presidente da AMB - Associação dos Magistrados do Brasil.
Membro da Academia de Ciências e  Letras; Jurídicas do Amazonas
Membro do Instituto de Direito Processual Civil ( Brasil)
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